O Canadá não deve se beneficiar das violações dos direitos humanos, da degradação ambiental e da crise da pandemia no Brasil

O Grupo de Orientação de Políticas nas Américas (Gopa), uma rede nacional que reúne mais de 20 organizações da sociedade civil canadense, divulgou uma carta aberta endereçada a diferentes ministérios e instituições governamentais canadenses exortando “o governo canadense a priorizar os direitos humanos sobre os interesses econômicos, evitando contribuir para a instabilidade social, ambiental e de saúde pública no Brasil”.

“Acreditamos ser importante expressar nossa preocupação a respeito das relações entre os governos do Canadá e do Brasil. Este governo enfrenta atualmente sérias acusações de má conduta e corrupção na gestão da pandemia, além de ser acusado de promover ataques aos direitos humanos e ao meio ambiente. Este não é um bom momento para aproximações com o governo brasileiro”, declarou Marie-Eve Marleau, do Comitê pelos Direitos Humanos na América Latina (CDHAL), uma das organizações membro do Gopa.

A carta ressalta os mais de 100 pedidos de impeachment contra o Presidente Bolsonaro no Parlamento brasileiro. Além disso, menciona pelo menos as cinco denúncias que acusam Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional de crimes contra a humanidade. Em 27 de abril, o Senado brasileiro criou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para tratar e analisar a gestão da pandemia pelo governo brasileiro.

O professor Pedro Hallal, um epidemiologista que prestou depoimentos durante as audiências da CPI no Senado e que está liderando o mais extenso estudo sobre a Covid-19 no Brasil, afirma que dezenas de milhares de mortes poderiam ter sido evitadas se Bolsonaro tivesse agido de forma adequada.

Degradação social e ambiental em meio à pandemia

A pandemia teve um grande impacto sobre as populações marginalizadas, como as mulheres, os negros, as comunidades rurais e os pobres. Além dos problemas associados à Covid-19, os povos indígenas e outros povos tradicionais enfrentam outras ameaças que põem em risco suas vidas. Como alegou o Conselho Indigenista Missionário da Igreja Católica do Brasil (CIMI), o presidente do Brasil está conduzindo um “extermínio programado” dos povos indígenas.

Houve um aumento acentuado do índice de violência e de devastação ambiental desde que a atual administração tomou posse. Os movimentos sociais brasileiros têm repetidamente advertido que o discurso do Presidente Bolsonaro incentiva atividades ilegais em áreas protegidas, por exemplo, seu apoio vocal à mineração em terras indígenas, muitas vezes realizada por invasores com grande violência. Só nos últimos meses, várias comunidades indígenas sofreram graves ataques de garimpeiros com a queima de casas, escolas e centros comunitários dentro de seus territórios.

De acordo com o relatório, “Conflitos no Campo”, recentemente divulgado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), “2020 foi o ano que registrou o maior número de conflitos de terra, invasões de territórios e assassinatos em conflitos de água já registrados desde 1985. De fato, o número de ocorrências aumentou de 1.903 em 2019 para 2.054 em 2020, implicando quase 1 milhão de pessoas (…) em um contexto de pandemia grave”.

Nos primeiros seis meses de 2021, o desmatamento na região amazônica aumentou 17%, com 3.610 quilômetros quadrados sendo desmatados, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Existem fortes evidências de que os incêndios que assolaram a Amazônia, o Cerrado e o Pantanal foram causados por grandes proprietários de terras no Brasil buscando expandir suas áreas de monocultura e pasto.

Caso a negociação do acordo de livre comércio Canadá-Mercosul for concluída, poderá potencializar ainda mais a agenda de destruição do governo brasileiro. Segundo a Confederação Brasileira da Agricultura e Pecuária (CNA), “a conclusão deste acordo de livre comércio tem o potencial de aumentar as receitas brasileiras de exportação de produtos agrícolas em US $7,8 bilhões”. Mais de 50.000 pessoas assinaram uma petição pedindo aos canadenses que parem de consumir bens produzidos às custas dos direitos indígenas e da destruição da floresta.

“Não podemos permanecer em silêncio enquanto nossos parceiros no Brasil apelam à pressão internacional para acabar com este ciclo de violência, especialmente quando sabemos que agências governamentais e empresas canadenses estão envolvidas”, deplora Anne Catherine Kennedy, da agência de cooperação internacional Desenvolvimento e Paz – Cáritas Canadá.

A carta do Gopa salienta que durante a Convenção de 2021 da Associação dos Produtores e Desenvolvedores do Canadá (PDAC) – o maior evento do setor da mineração do mundo -, as agências governamentais canadenses Export Development Canada (EDC) e a Global Affairs Canada (GAC) patrocinaram o ciclo de palestras da comitiva brasileira. Assim, enquanto as autoridades brasileiras (que receberam apoio da EDC e do GAC) apresentaram o Brasil como uma terra de oportunidades para investidores do setor da mineração, os povos indígenas no Brasil continuam a expressar forte oposição a projetos e investimentos desse tipo. “Por isso, apesar das tentativas do Congresso brasileiro de mudar a legislação ambiental para permitir atividades de extração de recursos e projetos de desenvolvimento em terras indígenas, é provável que todos esses projetos tenham sua licença social negada”, observou Rosa Peralta do CDHAL.

“É preocupante que as empresas canadenses pressionem para implementar projetos de mineração, desrespeitando os direitos indígenas a consultas livres, prévias e informadas”. Este é o caso dos projetos Belo Sun e Potássio do Brasil, ambos na região amazônica, que tentam enganar a sociedade e os investidores, alegando ter todas as condições necessárias para começar a operar. Isto não é verdade”, lamenta Anne Catherine Kennedy, da Desenvolvimento e Paz – Cáritas Canadá.

O Gopa também expressa apreensão com uma visita pendente da Sra. Sheri Meyerhoffer, titular do Canadian Ombudsperson for Responsible Enterprise (CORE, na sigla em inglês), ao Brasil. Em mais de uma ocasião, o escritório do CORE declarou que se trataria de uma missão “motivada pelo convite do

governo do Brasil”, mas não divulgou nenhuma outra informação a respeito do objetivo da visita. As organizações-membro do Gopa consideram essa falta de transparência como mais um sinal explícito da proximidade entre os governos canadense e brasileiro, assim como também revela o descaso em relação à proteção das comunidades afetadas pela mineração ou à falta de medidas concretas de reparação dos danos causados por empresas canadenses.

Essa situação é especialmente inquietante, já que até mesmo o Subcomitê Parlamentar Internacional de Direitos Humanos do Canadá emitiu recentemente um relatório final sobre o mandato do CORE no qual confronta a ineficácia do mecanismo no apoio a comunidades vítimas de abuso corporativo canadense em outros países. As recomendações do Subcomitê vão além e tecem duras críticas à total confiança do governo do Canadá na boa vontade das empresas para lidar ou remediar danos ou violações de direitos humanos cometidas no estrangeiro.

A carta do Gopa também insta o Canadá a mostrar que tem um entendimento sistêmico das questões em pauta e que é capaz de adotar uma estratégia articulada para alcançar os objetivos em sua futura Política Externa Feminista e do anúncio da meta de redução das emissões de carbono. “Isto implica rever os investimentos internacionais nas indústrias extrativistas que não se alinham com os princípios de economia inclusiva, redução das emissões de gases de efeito estufa e igualdade de gênero. O Canadá também deve aconselhar as empresas canadenses a seguirem esses princípios.”

“Nossas preocupações refletem as de nossos parceiros e movimentos sociais no Brasil, e sabemos que a sociedade canadense, incluindo nossas redes e membros no Canadá, não concorda com que o Canadá estabeleça relações políticas e comerciais com um governo que despreza a ciência, o meio ambiente e os direitos humanos dos defensores do meio ambiente, especialmente das mulheres defensoras dos territórios”, conclui Gabriela Jiménez da KAIROS: Iniciativas Ecumênicas Canadenses por Justiça.

Para mais informações:

Rosa Peralta
Comitê pelos Direitos Humanos na América Latina (CDHAL) solidared@cdhal.org

Anne Catherine Kennedy – Desenvolvimento e Paz – Cáritas Canadá

akennedy@devp.org