Recrudesce o golpe no Brasil

Por Carmen Silva*

A intervenção militar no Rio de Janeiro, a execução de Marielle Franco, a decisão do Supremo Tribunal Federal – negando o habeas corpus e, a prisão de Lula são fatos que marcam uma nova fase do golpe que estamos vivendo no Brasil. Os movimentos sociais e outras organizações da sociedade civil brasileira vem denunciando há tempos o caráter de Golpe de Estado que teve início com o impedimento da presidenta Dilma Rousseff em 2016. Neste momento em que ele se aprofunda, a denúncia ganha contornos de apelo ao mundo. O Brasil clama por solidariedade internacional frente ao crescimento da ruptura institucional na nossa frágil democracia.


O governo ilegítimo do presidente Temer e a sua bancada de apoio no Congresso Nacional têm tomado inúmeras decisões que alteram substantivamente o arcabouço jurídico do Estado brasileiro. As mudanças legislativas e as medidas adotadas pelo executivo retiram direitos, geram maior empobrecimento e colocam em risco a soberania do país. Foi assim que eles mudaram a política de terras de fronteira e de mineração, abriram o pré-sal para a exploração das grandes corporações mundiais do petróleo, alteraram a política de educação do ensino médio, fizeram a reforma trabalhista que anulou direitos conquistados na década de 1930, aprovaram uma emenda constitucional que proíbe ampliar os gastos federais com as políticas sociais por 20 anos, estão tentando aprovar a reforma da previdência, a monocultura na Amazônia e ameaçam as reservas indígenas e ambientais, entre outros malefícios.

O golpe, com seu forte apoio na rede globo de comunicação, consolidou o descrédito na política e a polarização do país entre prós e contra o PT e seus governos. Apesar disso, os movimentos sociais seguem resistindo, numa perspectiva de crítica a esta situação e de defesa de direitos. Entretanto, neste momento de recrudescimento percebe-se nitidamente como o golpe liberou, ou mesmo acionou, forças sociais que estavam adormecidas. Estamos nos referindo ao aumento da violência com requintes de crueldade contra mulheres, pessoas negras, população lgbt e, especialmente, defensores e defensoras de direitos humanos. As forças de direita, paramilitares e/ou fundamentalistas estão sentindo-se livres para agir contra estes grupos sociais e quem os defende. O assassinato da vereadora Marielle Franco é o exemplo mais simbólico, mas ocorreram vários outros ligados à defesa de direitos socioambientais em territórios do norte e nordeste do país, em especial em terras quilombolas e indígenas. Neste momento em que escrevemos, o povo guarani kaiowá está sob ameaça de uma nova violação.

As forças democráticas no Brasil, mesmo aquelas que tinham críticas ao padrão de desenvolvimento realizado pelos governos petistas, juntam-se para defender a manutenção do processo eleitoral. Sim, as eleições presidenciais, previstas para outubro de 2018, estão em risco. As forças políticas golpistas não chegaram a um nome consensual com o qual possam concorrer e dar continuidade à agenda ultra neoliberal, que está em curso e que promove uma total regressão nos direitos adquiridos. Por conta disso, e para manter o plano de entregar as riquezas brasileiras às grandes corporações, é muito provável que o Poder Legislativo ou o Poder Judiciário suspendam as eleições. Isso indicaria um maior fechamento do regime, ou mesmo a possibilidade de uma intervenção militar federal.

Há riscos de ruptura total da institucionalidade. Ainda que alguns sigam apostando apenas na saída eleitoral, não é mais possível defendê-la sem a expressão das ruas. As organizações da sociedade civil têm optado pela resistência nas ruas e nas redes sociais. O Poder Legislativo deu um golpe parlamentar e tem aprovado inúmeras medidas de suposta austeridade que estão aniquilando com as já precárias condições de vida do povo; o Poder Judiciário toma decisões à revelia da Constituição e do devido processo legal; o Poder Executivo, com um presidente ilegítimo, está entregando o Brasil para o capital transnacional e ainda convocou uma intervenção militar no Rio que está aterrorizando ainda mais os moradores das periferias já atormentadas pelo narcotráfico. Esta situação clama por um posicionamento de todos as organizações da sociedade civil mundial, capaz de pressionar o Estado brasileiro. O que está em jogo é defender um Estado garantidor de direitos, e, neste momento, a realização de eleições diretas, o direito de Lula ser candidato e a construção de um ambiente de institucionalidade democrática no país, que respeite a soberania popular.

*Carmen Silva integra o SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia, organização da sociedade civil brasileira que compõe o PAD – Processo de Articulação e Diálogo entre Organizações Ecumênicas.