(English below)
Não é de hoje que o Presidente Bolsonaro utiliza-se do discurso da segurança para sustentar posicionamentos em geral violentos e insuflar o ódio entre grupos. Isto por si só, mostra que o Presidente carece mesmo reconhecer o lugar que ora ocupa e as atribuições que lhe são devidas. Ao anunciar que encaminhará para a Câmara Federal um projeto de lei, que dá ao proprietário rural total liberdade para atirar em caso de invasão da sua propriedade sem que isto incorra em punição, está efetivamente defendendo e concedendo licença para matar. Como se não bastasse, ao dizer que esta “é uma maneira de ajudar a combater a violência no campo”, está atestando que seu governo não tem política pública efetiva de segurança, e que um dos caminhos é armar a população e terceirizar a segurança de forma ilegal.
A missionária Dorothy Stang foi assassinada em 2005 no Pará e é um dos símbolos da violência que atinge os defensores e defensoras do direito à terra
Nenhum país se afirma enfrentando questões sociais como é o caso da concentração da terra e de riquezas com ações de combate armado, nem com o uso da força policial e muito menos com a divisão da sociedade entre os que merecem viver e os que não merecem viver, sendo que os que têm direito à vida são os proprietários e os que não têm direito à vida são os camponeses/as sem terra ou os grupos que lutam por terra e território. Esta é a lógica defendida pelo atual governo, uma vez que trata movimentos e grupos de luta social pela terra e território como invasores, mas ao mesmo tempo é leniente e fecha os olhos para outros grupos, fazendeiros e grileiros que invadem e exploram propriedades públicas ou áreas de reservas ambientais. A luta pela terra e pelo território é legítima, portanto, os movimentos sociais organizados, camponeses e camponesas sem terra, têm todo o direito de reivindicar sim a Reforma Agrária e de ocupar toda e qualquer área improdutiva, assim como também os povos indígenas e comunidades tradicionais tem direito aos seus territórios. Neste sentido, não é aceitável e plausível que um governo em regimes democráticos tome partido autorizando e fomentando que proprietários usem da força e da violência para enfrentar aqueles que lutam de forma legítima por seus direitos.
A Constituição Federal é claríssima em dizer que a propriedade é um direito. No entanto, a Constituição também diz que a terra deve ter função social. Portanto, quando movimentos e grupos de luta pela terra e por território se organizam para lutar contra a concentração agrária ou pela garantia de seus territórios, eles estão lutando para que a Constituição seja respeitada. A defesa da propriedade privada não está acima do direito dos camponeses e das camponesas viverem dignamente, ou dos povos indígenas e comunidades tradicionais produzirem e reproduzirem seus meios de vida. Há um princípio ético e humanista que defende que a concentração de terra torna-se imoral sempre que esteja descumprindo o princípio maior da sua função social, o que, portanto, se sobrepõe ao sentida da propriedade privada em si mesma.
Por fim, o presidente não pode subtrair do Estado, o poder de dirimir os conflitos, de investigar, de julgar, de punir, incentivando a “justiça com as próprias mãos”, quando desloca para o cidadão o poder “de se defender”. Sob este aspecto a Constituição Federal não garante salvaguarda a nenhum cidadão sob hipótese alguma. Dizer que proprietários de terra estão autorizados a atirar atenta contra todos os princípios civilizatórios, além de constitucionais. Nenhum cidadão está acima da Lei. Segundo a Constituição de 1988, o que nos rege é o princípio da igualdade.
É assustador e estarrecedor o fato da autoridade máxima do país declarar que proprietários de terras estão livres para atirar. O presidente Jair Bolsonaro está insuflando ódio e incitando a sociedade brasileira ao conflito. Aos que comemoram tal declaração, é importante que considerem que a afirmação do presidente Jair Bolsonaro coloca os proprietários de terra na ilegalidade. Isso porque, mesmo que o presidente diga que podem atirar, a legislação do Brasil continua dizendo que a prática do crime deve ser penalizada. Desde já manifestamos nossa posição contrária a proposta de mudanças que quer inserir o excludente de ilicitude na lei penal brasileira!
Mais do que nunca precisamos fortalecer nossas convergências contra a violência no campo e em todos os lugares!
Brasília, 30 de abril de 2019.
Articulação para o Monitoramento dos DH no Brasil Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH
Processo de Articulação e Diálogo – PAD
Parceiros de MISEREOR no Brasil
Fórum Ecumênico ACT Brasil
Sociedade Maranhense de Direitos Humanos – SMDH SOS Corpo – Instituto Feminista para Democracia
PUBLIC NOTE AGAINST THE VIOLENCE IN RURAL AREAS
President Bolsonaro has repeatedly used security as an alleged argument to hold often violent opinions that trigger hate among groups. That fact for itself shows how the President lacks understanding of the position he now occupies and its related attributions. By announcing that he will submit a draft bill to the Congress which allows farmers to shoot trespassers of their private property with no penalties, Bolsonaro is clearly defending – and granting – a license to kill. On top of that, by saying that this is “a measure to fight violence in rural areas”, he is confirming that his government has no effective public policies for security and therefore arming the population and illegally outsourcing security services are acceptable solutions.
No country should take a stand on social issues such as land and wealth concentration through armed combat actions and police force, let alone the division of society in two groups: those who deserve to live and those who do not, particularly if the former are landowners and the latter are peasants, landless workers or groups that struggle for land and territory. This is the logic defended by the present government, as it sees social movements and groups that fight for land as trespassers. However, at the same time, the State is lenient and turns a blind eye on farmers and land grabbers that exploit and trespass on private properties or environment protection areas. The struggle for land and territory is legitimate, and therefore organized social movements and landless workers are entitled to claim for an Agrarian Reform, as well as to occupy any unproductive area. Likewise, indigenous peoples and traditional communities are entitled to their territories. In that sense, it is not acceptable or plausible that a government in a democratic regime takes sides, authorizing and encouraging that landowners make use of force and violence to deal with those who fight legitimately for their rights.
The Brazilian Federal Constitution is clear: property is a right. However, the same Constitution says that the land must have a social function. For that reason, when groups and movements organize themselves to fight land concentration or to ensure their right to their territories, their struggle is aligned with the Constitution. The protection of private property cannot be above the peasants’ right to dignity, or the indigenous and traditional peoples’ right to their livelihood. There is an ethical, humanistic principle in defending that land concentration is immoral whenever it fails to comply with the greater principle of its social function, which is more relevant than private property in itself.
Finally, a president must not subtract from the State its own power to manage conflicts, to investigate, prosecute and punish, by encouraging people to “take justice in their own hands” and “defend themselves”. Form that aspect, the Federal Constitution provides for no safeguard for citizens under any circumstances. Affirming that landowners have permission to kill undermines all civilizational and constitutional principles. No citizen is above the law. According to the 1988 Constitution, we are ruled by the principle of equality.
It is terrifying that a country’s leading authority says that landowners are free to shoot. By doing so, president Jair Bolsonaro is disseminating hate and encouraging society to conflict. Those who celebrate that statement must understand that president Bolsonaro’s proposal puts landowners in a situation of unlawfulness. Even if the president says there is a permission to kill people, the Brazilian legislation provides for penalties applicable for that crime. We hereby take a stance against the proposed changes that aim to include the exclusion of liability in the Brazilian penal code!
More than ever, we must strengthen our alliances against violence in rural areas and everywhere else!
Brasília, March 30, 2019.
Articulation to Monitor Human Rights in Brazil National Human Rights Movement – MNDH
Process of Articulation and Dialog – PAD
Misereor Partners in Brazil
Ecumenical Forum ACT – Brazil
Human Rights Society of Maranhão – SMDH
SOS Corpo – Feminist Institute for Democracy